*** Tem acontecido muito, ultimamente. Acordo com a boca aberta, e a famosa ‘baba’ me falta, tanto no travesseiro, quanto dentro da própria boca. Calculo que passei bom tempo fazendo respiração bucal, ao concentrar-me nos pontos onde deveria haver glândulas salivares ativas. Conclusão imediata: em todos, elas parecem ter se atrofiado. Toco minha própria língua com os dedos, e sinto a pressão nos dedos, somente. ***
Certa madrugada, cheguei a levantar pra buscar um copo d’água, a fim de aliviar a sensação de morte da carne dela. Insensível. E uma língua insensível é como todo um corpo morto: inútil.A água escorregou para a garganta como se passasse por uma pista de plástico. Desesperei. “Nunca mais vou sentir gosto. Temperatura. Pressão”. Havia agora uma bola de tênis aveludada dentro da minha única boca. Expus o músculo intra-bucal, e estapeei. Alonguei, empurrei, torci, umedeci outra vez.
Ele nem se abalou.
Alguma das glândulas apresentou-se, e a ptialina voltou, devagar, a permear minhas bochechas, meus dentes... e, por fim, a bendita língua, atleta passiva da questão. Dentro de minutos eternos, eu voltei a sentir a superfície dela, tendo aprendido que ela pode, de fato, não ser nada frágil...
desde que eu a mantenha protegida no abrigo onde a natureza a colocou.
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Aconteceu muitas vezes, e não só ‘ultimamente’. Adormeci e acordei com o coração sobre meu próprio peito; poucas vezes, batendo; nas demais, se debatendo. Qualquer brisa o fazia tiritar de frio. Um raio de sol que ainda ameaçava amanhecer, já o queimava todo. Que dirá, os dias de rígido inverno, e as horas de sol a pino, em pleno dezembro!...
Ele nunca se contentou em saber o que viam os olhos e ouviam os ouvidos – estes, sim, criados pra funcionar plenamente aqui fora. Não acreditou, e quis ver; quis ele mesmo ouvir, e pagou pra saber até que ponto poderia sentir, duvidando que “tardes demais’ existissem...
e sem previamente consultar um Meteorologista.
Tarde demais, na longa noite durante a qual o choro costuma durar, busquei água a fim de aliviar a sensação de morte da carne dele. Insensível. Um coração insensível é pior que um corpo morto: obriga o corpo inútil que o comporta a se fazer de vivo.
A água fugiu para as bordas como se escorresse por uma bola de plástico. Desesperei. “Nunca mais vou sentir. Não tudo” – sentenciei. Havia agora um metrônomo metálico tinindo dentro do meu peito. Abracei minha própria caixa torácica. Nem precisava curar. Eu conhecia minhas limitações e (de)méritos. Anestesia. Entorpecentes. Bastavam.
Busquei outras fontes de calor, algo capaz de derreter aquele metal no qual o coração se envolvera pra sobreviver nessa selva aqui de fora – quem o jogou pra virar-se nela, senão ele próprio?
Alonguei, empurrei, torci, umedeci outra vez.
Ele nem se abalou.
MAS... (Como são felizes as más histórias, depois do “mas...”!)
O Tempo, além de sábio, é também misericordioso. E, embora as marcas negativas frutifiquem até o fim de seu ciclo, Ele não nega novas chances; o mesmo Tempo que nos pré-ocupa com o que o futuro há de trazer, é também o grande responsável por nos ajudar a deixar até as coisas de que nem lembramos mais, mas ainda estão ali, impermeabilizando e reabrindo uma velha ferida; enquanto dormimos, enquanto sonhamos acordados.
E o Tempo, além de sábio e misericordioso, é o Pai da Criatividade.
(o final desse texto, só pra quem viveu.
O próximo final, quem sabe?)
(...)
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ai,, aninha...ai...
ResponderExcluiresses "ai" são para justificar minha estupefação frente ao seu texto...gostei muito, muito bom. O que é contraditorio. Eu deveria ter horror a essas sensaçoes, mas le-las é incrivel...por isso..."aiiiii"
ResponderExcluiro lance da idolatria era pra ser uma piada...rs
bjuuuu
To me sentindo uma invasora, e daí?
ResponderExcluirDesculpa.
Brigada, já estava tão plástificada que não tinha nem cogitado que minha língua era importante. Aliás, só me falta uma etiqueta, porque rótulos todos tentam colocar... sempre, eu acho.
Bom, no final, parece que minha língua é mais importante que meu coração. Ao menos hoje em dia...
Sem maiores, e mais invasões...
ass. Marta.