Eu conheci um homem que sofreu demais.
Até uma barata corre, se você tenta feri-la. Inteligentemente, a psique humana se auto-imuniza contra os venenos que ela detecta, por experiência, que têm o poder de feri-la.
Este homem aprendeu que não vale a pena amar. De uma forma ou outra, o Destino – a quem alguns chamam de “Deus” – arranca-nos o que é mais precioso, parecendo não ter a menor noção da dimensão de que nada resta da estrutura, quando se retira dela o chão.
Este homem descobriu que há muito mais segurança na escolha de trancafiar a expressão de seus próprios sentimentos, não em caixa ou prisão alguma, senão dentro de si mesmo. Em tão obscuro lugar, quem poderá encontrá-los? Reaquecê-los? Questioná-los? Danificá-los mais?
Daí que este homem descobriu que fincar seus pilares em natureza morta e em pré-desesperanças, e não em vulneráveis e falíveis, pessoas, o salvaria mais certamente de fazer a temível viagem de volta do inferno. Agora que já o atravessou, e foi com suas “malas e viagens” para a caverna mais longínqua de lá, exausto, acampou-se. Apagou sua própria lâmpada - o que o tornou um qualquer - não porque sonhara desde a infância em desperdiçar a existência de tal forma, mas para proteger-se da própria visão que teria dos escombros, das correntes, dos ossos de outros que já foram como ele, fazendo-lhe colchão, companhia, predições.
Justo.
Mas o Amor, a Alegria, o Companheirismo e o Nada são a mesma coisa, se você guardá-los no mesmo lugar. E, embora este homem se tenha guardado dentro do inferno que está dentro de si mesmo, de forma que não haja grito diante de Deus que tenha força suficiente para trazê-lo de tão longe, este homem anda por aí. E ele cativa pessoas com os talentos que adquiriu para as coisas seguras, como o próprio trabalho e sua máscara social – que só traz a ganhar, para quem a desenvolver com malícia – não, “maldade” - na medida ideal.
Quem pode condená-lo?
Quem pode, dentre nós, contar uma história de alguém que foi levado ao tribunal pelo que ‘deixou de’ fazer e, assim, ter destruído a integridade do invisível, da alma – da química – que é de outrem?
E quem pode, dentre todos, condenar este homem que des-amou, com direito, o ato de amar; que desacredita em esparsas alegrias e não admite prostração diante do sofrimento por um segundo sequer, já que a razão que o ocupa inteiro torna tudo indolor pelo fato de que “tudo passa?” Ele dá lugar à euforia sob circunstâncias favoráveis a ela, e é, nalguns mundos, o que mais faz alguns se prostrarem, pelos comentários somente depreciativos que faz e pelas proteções que não oferece a quem esperava somente nele. Ele acoplou plenamente seu companheirismo à sua própria impermeável e genial máscara social que oferece, oferece, oferece, mas nunca precisa.
E quem pode corrigir este homem, que passa como um nada às pessoas que mais precisavam que ele tivesse coragem de fazer, com a ajuda de Deus e de um conhecedor profissional das perspicácias das sinapses e associações da mente (é, um psiquiatra), o tortuoso caminho de volta de seu próprio inferno - que ele acredita serem os outros, segundo a ironia de Dante?
Qual Deus pode condenar este rico miserável, que ainda se passa pelo próprio diabo quando alguém que ainda o quer ousa visitá-lo em seus escombros malcheirosos, escuros, obtusos...?
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Estou fazendo o caminho de volta do meu próprio inferno, pra viver tudo e contribuir para que os meus vivam também seu próprio máximo
e isto já é duro o bastante pra mim.
(...)
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ResponderExcluir"...Mas o Amor, a Alegria, o Companheirismo e o Nada são a mesma coisa, se você guardá-los no mesmo lugar..."
ResponderExcluirPara mim, esse é o ponto alto do texto e o ponto alto da vida.
Simplesmente, arrasador!
Beijo e saudades de vc.